"O evangelho, em sua expressão total, é um vasto caminho ascensional, cujo fim não poderemos atingir, legitimamente, sem o conhecimento e a aplicação de todos os detalhes. ... A mensagem do Cristo precisa ser conhecida, meditada, sentida e vivida."


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Livro Renúncia
2ª Parte - cap. III - Testemunhos de fé



Descendência

“E não supondes que deveis dizer entre vós: ”Temos por pai a Abraão”,”

Mateus 3:9

            Percebemos ainda hoje, mesmo com o progresso dos costumes, velho hábito de ligar a identidade de alguém à sua ascendência familiar, como se as células que se sucedessem na formação dos tecidos trouxessem consigo atributos de moralidade, inteligência ou discernimento.

            A ciência moderna já demonstrou que a liberdade que o indivíduo possui para moldar a própria personalidade fragiliza, quase completamente, os antigos conceitos relacionados aos grilhões das heranças genéticas.

            É dessa forma que poderemos encontrar entre pais celerados verdadeiras joias de doçura e sensibilidade na figura de seus filhos, tanto quanto o devotamento, o carinho e o afeto, por vezes, são incapazes de reverter, totalmente, a natureza embrutecida de seus rebentos e identificamos pedras de sentimento vicejando por entre as flores da dedicação e do sacrifício.

            A compreensão atual nos coloca diante da realidade de que não podemos transferir méritos e culpas entre as gerações, sem que com isso infrinjamos os mais sagrados princípios de justiça e do livre arbítrio, que estabelecem a cada um segundo suas obras.

            Não importa a fortuna que tenhas herdado, a diligência e o esforço não se apartarão de sua pauta de responsabilidades, tanto quanto a pauperismo do berço não implica a impossibilidade de multiplicar o pouco que lhe foi dado em proveito de muitos.

            Se a inteligência compõe a sua bagatela de valores, receberá quase certamente a missão do ensino e do esclarecimento, mas, se a lucidez do raciocínio é pálida em sua figuração, poderás iluminar a própria estrada e a de muitos com a luz do exemplo e da gratidão.

            Todos os bens e recursos que a Divina Providência dispensa a cada um de nós representam esperanças de edificações maiores no campo do amor e do progresso e nunca caracteres de preferências injustificáveis ou de distinções ilusórias.

            À época do Cristo, muitos judeus, como muitos na atualidade, julgavam-se preferidos em razão de sua vinculação com aquele com quem Deus havia feito a primeira aliança, segundo a crença vigente. Com isso, consideravam que a justiça vindoura para eles seria mais branda do que com os gentios.

            Tal equívoco foi de pronto rechaçado por João, que lhes advertiu que clamar pela descendência, como critério de justificação de ações que não se coadunassem com os ditames da fraternidade e do amor, redundaria em esforço inútil.

            Reconheçamos na advertência valiosa orientação, para que, no que tange às nossas esperanças de felicidade futura, saibamos edificar no presente sem olhar para o passado.

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